sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Um Curta Conto Metragem, por Renato HELL Albasini

A noite já chega com força sem avisar. Ele está no apartamento olhando para fora, nu, senta-se na beirada da janela aberta. Dentro do recinto só a escuridão mais profunda contrasta com a luz da rua, dos prédios à frente. Ele observa tudo balançando as pernas. Eu fico olhando para ele, de pernas cruzadas em pé do lado de fora do prédio. Coço o meu queixo, enquanto ele fica analisando as janelas e também coça o saco, até parar o olhar num dos andares.
Uma das janelas, uma mulher seminua, com seios à mostra, corpulenta, levemente fora do peso, acima dos 40 anos, escolhe uma blusa. Desfila pelo quarto jogando para cima peças e peças de roupa. Ele a observa e começa a se tocar. Masturba-se como um chimpanzé no zoológico. Eu abaixo a cabeça e a maneio negativamente. Ela acha uma blusa que lhe agrada e sai das vistas dele. Ele da uma pequena arfada ao mesmo tempo emite um palavrão.
Ele se volta para dentro do seu apartamento escuro e eu o sigo. Sabe aquela sensação de calafrios que sente quando estamos sozinhos e temos a nítida impressão que não. Pois é, ele sentiu isso. Eu sorrio baixinho. Ele para no meio do quarto olha para os lados. Ouço claramente sua respiração forçada e os batimentos parecem aumentar além da sua caixa torácica. Atrapalha-se e quase cai pisoteando os sapatos jogados pelo chão. Vai até a janela e a fecha. Ele está no décimo andar. Passa de um lado para outro e eu escorado no canto oposto.
Medo. Seria uma boa palavra para o que ele está sentindo. E eu olho meu relógio. Está quase na hora. Hora de apagar as velas de aniversários que já se passaram. Hora de apagar com uma borracha frases ditas e escritas por aí. Hora de queimar as fotos guardadas nas gavetas. Hora que demorou, para se aproximar e agora; a hora chegou.
Ele senta-se na cama. Eu, ao lado dele, também. O abraço e agora ele me vê. Chora e eu faço um ar de agrado, de conforto. Um longo abraço. Suave, depois, o afasto. Seguro seu rosto. Olho bem para seus olhos e ele choraminga tentando fazer a menção de falar algo. Coloco meu dedo indicador direito nos lábios dele. Vejo que há esperança no olhar dele. E nesse momento desfiro uma navalha na sua garganta puxando para dentro da escuridão do seu quarto nos cantos onde nem ele conhecia.
O quarto está vazio. A noite iluminada. As pessoas continuam suas vidas.

 Até a outra hora, pessoal...

domingo, 15 de dezembro de 2013

" O Montador de Hambúrguer" (Tommy Wine & Beer)






I

Desci do ônibus com uma vontade monstro de cagar. Ainda restavam uns 14 minutos de caminhada até chegar em casa.

Pensei em grandes figuras da humanidade. Escritores especialmente. Hemingway pensando se estourava seus próprios miolos ou não. Burroughs estourando os miolos de sua esposa. A morte espreitando Bukowski...

E QUANTO A MIM? Meus dilemas existenciais pareciam resumidos ao ato de cagar! Sempre passando por terríveis apertos. Eu vivia quase me cagando quase que diariamente.

DIABOS!, QUE MERDA DE ESCRITOR EU ERA CUJO GRANDE DESAFIO EXISTENCIAL ERA SUBJUGAR MEU CU OU MINHA MERDA!

Entre essas digressões chego no barraco...

Entrei no banheiro, suava frio, levantei a tampa e havia uma quantidade incrível de merda ali! E de variadas espécies. De diferentes texturas, formatos, pigmentações... um horror!

A descarga deve estar estragada pensei! Porra, mais uma taxa por multa no próximo aluguel! Resolvi testá-la. Funcionou! Muito embora não tenha dado conta de tanta merda. Mas já melhorara o recipiente. Sentei e caguei.

Ok, faltava papel higiênico. Abri minha pasta, tinha um calhamaço de poemas que eu ia ler na próxima terça no SARAU SELVAGEM. Tive de sacrificá-los. Molhei-os na pia e os usei para limpar os restos de merda ao redor do meu rabo.

II

Encontrei o pessoal na cozinha da pensão: “Véio Peruca”, Seu Luís e o Vacaria.

Cheguei tocando terror:

“Vem cá seus desgraçados! Cês não dão descarga pq?, seus relaxados de merda?” 

“É ordem do Seu Arni! Ele disse que agora vai dar as descargas pessoalmente, de hora em hora, se houver merda suficiente no vaso!” Me respondeu Vacaria.

“Alguém tem que dar um puxão de orelhas neste velho sovina! Pra ver se da descarga em toda a merda que se acumula na cabeça dele!”

“Ele disse que é pra economizar água!”, completou Seu Luís, dando uma golada em sua canha, ardilosamente armazenada numa garrafinha de Sprite.

III

“Pega um copo aí Ângelo, bebe um drinque... vamos comemorar! Tá sabendo a novidade?”

“Não, que novidade? Namorada nova Seu Luís?”

“Não é isso rapaz... é o Vacaria arrumou um novo trabalho!”

“Vacaria” era um cara que tinha trancado os estudos, na 2ª série do primário, veio do município homônimo, não parava em trabalho nenhum, sempre se fodendo, limpando sanitário em shoping ou fritando hambúrguer em restaurante fast-food.

“Chapista onde?” Perguntei.

“Não, não, não é chapista... como é que se diz...”

“Montador. Montador de hambúrguer! No Burguer King!”. Completou “Véio Peruca”, uma vez que o cérebro corroído de canha do Seu Luís tinha falhado. E prosseguiu: “Excelente função, to dizendo pra ele que agora esse trabalho ele sempre vai ter emprego garantido pra sempre...”

“E o din? É bom o salário?”, Nem sei a razão de ter feito aquela pergunta idiota...

“É um ordenado... um salário...” disse seu Luís.

“Beleza então Vacaria!”

Daí o Vacaria começou a me explicar como era o trabalho: sobre os tipos de pão, os molhos que ele utilizava, bifes...

IV

Meia-hora depois estava no meu quarto. Tive a idéia esdrúxula de ligar a TV. Bonner dizia que ia tudo bem, Pra ele eu pensei, pela cara de satisfação a Poeta deve estar com o dedão do pé roçando no seu pingolim.

“Melhor que isso, só com um novo golpe militar”, eu conclui. Desliguei a porra da TV. Eu tava tentando dar um tempo na birita, mas não ia dar pra começar naquele dia. Daí peguei minha garrafinha de vodka e saí pra uma caminhada. Passei por um Burguer King. Atrolhado de gente. Fiz uns cálculos... conclui que com um dia de trabalho suado os tubarões donos daquela porra já pagavam a merreca do salário do Vacaria. Dei uma golada punk na garrafinha de arder até o cu da minha alma.

V

Dois meses depois encontrei o Vacaria na cozinha. Os mesmos olhos melancólicos, e a pança ordinária de quem passa uma certa “fome funcional”.

“Ei man! Como vão as coisas man?”

Disse que estava dando duro no trabalho, que ainda não passara no contrato.

Enquanto ele explicava com entusiasmo tudo outra vez, reparei que “montava um sanduíche” para si: era composto de duas fatias de pão, uma raspa de margarina e uma fatia de mortadela velha, um tanto fodida e esverdeada.

Voltei ao meu quarto. Bonner e Poeta sorriam na televisão. Enquanto eu servia mais uma dose cavalar de vodka.

FIM

 

 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O Céu Não É de Vidro (por Tommy Wine & Beer)


“Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra” (Pitty, in Teto De Vidro)

Não sei se o vento uiva
Ou ventam chacais
Em meu pensamento
Francamente eu atiro
Contra os hipócritas
Os demagogos, os reaças

Quisera eu emplastar minha alma
Da selvagem poesia
E evitar os efeitos danosos
Das luzes eletrônicas desta Porto Alegre
Subhypada, subdesenvolta &
Subsumida as regras
Mais sujas do mercado

Disso não destoam sequer
Os Tribunais Internacionais
Nada mais que
Surreais sarais
De retórica vazia
Frente às meninas
Dos olhos do capitalismo:
A miséria,
A violência,
A guerra!

Replicando o ditado
Francamente eu atiro pedras
Por que o céu não é de vidro.