- Sim. Disseram-me que você é um
velho obsceno e que não tem nada de extraordinário na sua pessoa, que apenas o
ordinário, caberia em alguma descrição sobre você. – testemunhou aquela pequena.
- Eu também já ouvi falar muitas
coisas sobre mim. A maior parte delas, eram só um amontoado de merda ignorante e terços de realidade. –
fiz uma pequena pausa, enquanto tateava nos lençóis em busca do meu isqueiro
amarelo - E então, você vai ficar?
- Vou!
Acordo com o cantar dos pássaros
e leva de dois a três minutos até que eu ouça o motor do primeiro carro a
cruzar a rua. O interior tem dessas coisas, suplícios de silêncios humanos. Em
certos locais você poderia simplesmente afrouxar o cinto da barriga e gritar
como um louco e levariam horas até que aparecesse o primeiro intrometido a
questionar da sua loucura.
Arrasto a mão sobre a cara como
se fosse passar pasta de manteiga de
amendoim sobre um pão de forma. Sinto a barba rala e me glorifico da minha
própria masculinidade animal.
Observo a pequena dormindo com a sua
boca ligeiramente aberta. E penso se o meu pau caberia naquela pequena entrada
(ontem a noite coube). Coço o saco, espreguiço-me, solto um grunhido
involuntário e o braço esquerdo da pequena ao meu lado se apropria do meu peito.
Eu poderia passar a vida inteira
aqui. Neste momento. Nesta manhã. Neste quarto esverdeado. A musa e eu.
E não teríamos de comer, nem mijar, nem
defecar. Também não teríamos compromissos. E um breve movimento de nossos corpos,
levaria dias para acontecer. Um beijo, semanas. Uma trepada, meses. Uma
gravidez, anos.
Sorri do tempo que não se mexia e
imitava o mesmo, com uma quase inércia, numa particular dormência. Inserido
voluntariamente em uma espécie de relatividade empática. Agradando o meu lado
otimista e desolando o meu espectro melancólico. Dividido entre a vontade de ir
e o medo de ficar.
Nisso, a pequena acorda.
- O - Oi! – Gagueja espremendo o
delicado rosto contra a fronha do travesseiro.
- Bom dia! – eu respondo.
Ela apenas sorri, e eu quis que
aquele sorriso de jovem moça, se confundisse com o meu sorriso de homem de meia idade.
- Que horas são? – pergunta a
pequena.
- Nem sei! – respondi.
- Você não usa relógio? –
parecendo surpresa, com o fato.
- Há anos!...
- E como faz pra não se atrasar
pro trabalho?
- Pergunto.
- Pergunta às horas para os estranhos?!
Porque não toma vergonha na sua cara e compra logo um relógio pra você?
- Não tenho tempo.
- Hahaha... Você é uma figura!
- Meu anjo da guarda deve pensar
o mesmo. – divaguei.
- Anjos não existem, seu bobo!
- E porque não?
- Você já viu algum? – perguntou
à pequena.
- Não.
- Nem eu. E se eu não vi. Não
existe!
- E como você sabe que você existe?
– perguntei erguendo uma das sobrancelhas.
- Espelhos... Espelhos sempre me
lembram que eu existo. - parecendo já ter se enchido daquele papo.
Depois daquelas infantilidades
todas, eu quis me aproximar, mas a pequena simplesmente levantou-se e caminhou
até o banheiro.
Tudo deve ter durado uns dez
segundos, no máximo. Entre o impulso da jovem em pular da cama e dar sete ou
oito passos até chegar ao banheiro. E eu não conseguir desviar o meu olhar nem
por um segundo, de sua minúscula calcinha branca.
- Porque você não vem aqui? – disse
eu, sentado a beira da cama.
- Não posso, eu tenho aula daqui
a pouco.
- Como você sabe que está perto
da hora da sua aula? Nem relógio a gente tem.
- Pela sombra do abacateiro.
- Que abacateiro?- murmurei, enquanto baforava uma bituca.
- Aquele ali! – E pela janela, recém aberta, apontou para um
quintal arenoso, donde dava pra ver uma única árvore. Um abacateiro com a sombra mais ao Oeste, mais a esquerda de si mesmo.
- Tenho uma prova às onze.- disse isso e aproximou-se da porta.
- Não abra! Por favor, não abra! –
implorei.
- Porque isso agora? – perguntou
com uma nítida expressão de contrariedade.
- E se simplesmente ficássemos
aqui?- questionei sem responder, sem igualmente saber explicar.
- Então não haveria amanhã! – respondeu de pronto.
A porta se fechou ao passar da
musa. Joguei as minhas costas contra o colchão da cama e concebi um sorriso
que pareceu com o dela.
FIM