I
Desci do ônibus com uma
vontade monstro de cagar. Ainda restavam uns 14 minutos de caminhada até chegar
em casa.
Pensei em grandes
figuras da humanidade. Escritores especialmente. Hemingway pensando se
estourava seus próprios miolos ou não. Burroughs estourando os miolos de sua
esposa. A morte espreitando Bukowski...
E QUANTO A MIM? Meus
dilemas existenciais pareciam resumidos ao ato de cagar! Sempre passando por
terríveis apertos. Eu vivia quase me cagando quase que diariamente.
DIABOS!, QUE MERDA DE
ESCRITOR EU ERA CUJO GRANDE DESAFIO EXISTENCIAL ERA SUBJUGAR MEU CU OU MINHA
MERDA!
Entre essas digressões
chego no barraco...
Entrei no banheiro,
suava frio, levantei a tampa e havia uma quantidade incrível de merda ali! E de
variadas espécies. De diferentes texturas, formatos, pigmentações... um horror!
A descarga deve estar
estragada pensei! Porra, mais uma taxa por multa no próximo aluguel! Resolvi
testá-la. Funcionou! Muito embora não tenha dado conta de tanta merda. Mas já
melhorara o recipiente. Sentei e caguei.
Ok, faltava papel
higiênico. Abri minha pasta, tinha um calhamaço de poemas que eu ia ler na
próxima terça no SARAU SELVAGEM.
Tive de sacrificá-los. Molhei-os na pia e os usei para limpar os restos de
merda ao redor do meu rabo.
II
Encontrei o pessoal na
cozinha da pensão: “Véio Peruca”, Seu Luís e o Vacaria.
Cheguei tocando terror:
“Vem cá seus
desgraçados! Cês não dão descarga pq?, seus relaxados de merda?”
“É ordem do Seu Arni!
Ele disse que agora vai dar as descargas pessoalmente, de hora em hora, se
houver merda suficiente no vaso!” Me respondeu Vacaria.
“Alguém tem que dar um
puxão de orelhas neste velho sovina! Pra ver se da descarga em toda a merda que
se acumula na cabeça dele!”
“Ele disse que é pra
economizar água!”, completou Seu Luís, dando uma golada em sua canha,
ardilosamente armazenada numa garrafinha de Sprite.
III
“Pega um copo aí
Ângelo, bebe um drinque... vamos comemorar! Tá sabendo a novidade?”
“Não, que novidade?
Namorada nova Seu Luís?”
“Não é isso rapaz... é
o Vacaria arrumou um novo trabalho!”
“Vacaria” era um cara que
tinha trancado os estudos, na 2ª série do primário, veio do município homônimo,
não parava em trabalho nenhum, sempre se fodendo, limpando sanitário em shoping ou fritando hambúrguer em restaurante
fast-food.
“Chapista onde?”
Perguntei.
“Não, não, não é
chapista... como é que se diz...”
“Montador. Montador de
hambúrguer! No Burguer King!”.
Completou “Véio Peruca”, uma vez que o cérebro corroído de canha do Seu Luís
tinha falhado. E prosseguiu: “Excelente função, to dizendo pra ele que agora
esse trabalho ele sempre vai ter emprego garantido pra sempre...”
“E o din? É bom o
salário?”, Nem sei a razão de ter feito aquela pergunta idiota...
“É um ordenado... um
salário...” disse seu Luís.
“Beleza então Vacaria!”
Daí o Vacaria começou a
me explicar como era o trabalho: sobre os tipos de pão, os molhos que ele
utilizava, bifes...
IV
Meia-hora depois estava
no meu quarto. Tive a idéia esdrúxula de ligar a TV. Bonner dizia que ia tudo
bem, Pra ele eu pensei, pela cara de satisfação a Poeta deve estar com o dedão
do pé roçando no seu pingolim.
“Melhor que isso, só
com um novo golpe militar”, eu conclui. Desliguei a porra da TV. Eu tava
tentando dar um tempo na birita, mas não ia dar pra começar naquele dia. Daí peguei
minha garrafinha de vodka e saí pra uma caminhada. Passei por um Burguer King.
Atrolhado de gente. Fiz uns cálculos... conclui que com um dia de trabalho
suado os tubarões donos daquela porra já pagavam a merreca do salário do
Vacaria. Dei uma golada punk na garrafinha de arder até o cu da minha alma.
V
Dois meses depois encontrei
o Vacaria na cozinha. Os mesmos olhos melancólicos, e a pança ordinária de quem
passa uma certa “fome funcional”.
“Ei man! Como vão as coisas man?”
Disse que estava dando
duro no trabalho, que ainda não passara no contrato.
Enquanto ele explicava
com entusiasmo tudo outra vez, reparei que “montava um sanduíche” para si: era
composto de duas fatias de pão, uma raspa de margarina e uma fatia de mortadela
velha, um tanto fodida e esverdeada.
Voltei ao meu quarto.
Bonner e Poeta sorriam na televisão. Enquanto eu servia mais uma dose cavalar
de vodka.
FIM
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