quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Insone, de Renato HELL Albasini


Eu entrei no ônibus alçando os dois degraus que me colocaram para dentro. No equilíbrio necessário para me apoiar entre o espaço mínimo. Já na catraca uma enorme fila se aglomerava. Pessoas com suas sacolas, mochilas e bolsas. Bem na hora do “rush”. Seis e meia da tarde, que se parecia com a noite tamanha a escuridão. Tinha a sensação que alguém colocara um pano preto por cima e que levantava o pano dando baforadas de cigarro saídas dos escapamentos dos veículos que trancavam as avenidas. Depois de uma travessia cheia de empurrões chego a um assento vazio que divido ao lado com um homem gordo.
Não demora muito e o ônibus enche a tal ponto que caminhar por ele é inviável nem por meio de empurrões. E uma ansiedade começa crescer dentro de mim. Que se transforma em fúria. Pessoas caindo por cima uma das outras. Por cima de mim. Começo a suar. E a ira que antes estava calada urge.
Ergo do assento e empurro as pessoas que estavam ao redor. Um grito ecoa revirando as cabeças de todos. Todos os olhares convergindo para mim. E antes que pudessem ter alguma outra reação das minhas costas explodem asas pontiagudas, minhas unhas tornam-se garras, cresço e meus músculos aumentam. Com golpes rápidos dilacero a maioria que estava bem perto. Com as asas arrebato outros. Da minha boca uma língua gigantesca enlaça pescoços e os torce. Continuo arrancando membros e com a boca cheia de sangue vocifero palavras de baixo calão. Abro espaço pintando a parte interna do ônibus de vermelho fechado. Os que tentavam em vão fugir por qualquer fresta eram rapidamente dominados e castigados com força e violência. Do lado de fora os espectadores, carros, transeuntes, olhavam horrorizados aquela chacina com o balançar do ônibus como fosse de brinquedo. Pensavam haver um animal solto. Do lado de dentro alguns ainda reagiam, mulheres cravavam unhas no meu corpo, no rosto, enquanto homens disparavam chutes, pontapés, socos, tapas, batiam com o que havia a mão.
Mesmo me ferindo só conseguiam afortunar minha fúria que ficava cada vez mais insana. Nada, ninguém era poupado.
E quando o ônibus estava se desmantelando como se fosse uma caixa de papelão sendo rasgada, no fundo do veículo uma luz intensa, forte, cegando a todos aparece indo na minha direção. Fecho e abro os olhos com a intensidade e aos poucos começo ver uma figura feminina. Ela era coroada pela luz. Não tinha asas. Estava nua. Na região dos seus seios e do seu sexo havia luzes mais intensas emanando. Parecia um Cristo na cruz. Ela flutua ao se aproximar. Toca no meu rosto, o ilumina. Sinto as minhas asas descolarem causando uma dor incomparável. As unhas afrouxam por si e caem. Minhas presas e a língua diminuem. Fico de joelhos. Ela se aproxima mais. Meu rosto colado em seus seios de luz. Choro. Fecho os olhos.
Acordo assustado. Corpo suado. Nu. Ereto. Olho as horas: nove horas. É dia pela luz que invade o quarto pela janela aberta. Abro os olhos com mais cuidado e vejo na minha frente uma mulher nua sentada. Sorrindo. Ela não diz nada. Eu, meio atordoado, pego o relógio e vejo o dia que nele marca. Ainda é véspera de feriado.

3 comentários:

Agentes da L.O.U.C.A disse...

Li o "auto-retrato" também tu é um saxofonista louco de Be Bop!

Tommy WIne Beer.

Renato "Hell" Albasini disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato "Hell" Albasini disse...

É uma amostra de universos...Redenção entre o demônio e o anjo...A paz de espírito...Alma atordoada...Sem dormir...No fundo...Uma nota de sax perdura...