quinta-feira, 27 de novembro de 2014

"Bêbados, Pervertidos & Pederastas" (Sannio Carta)



"Prefiro os canalhas aos imbecis. Os canalhas, pelo menos, descansam de vez em quando."
                                                  (Alexandre Dumas)


Estava lá, de novo. Esperando algum copo estilhaçar em centenas de cacos de vidro, naquele chão frio de lancheria movida a álcool. Ou mesmo, adentrar um belo par de peitos, só para ter algo com que eu pudesse lembrar em um dia comum. Nem uma coisa, nem outra. Somente o sussurro dos fantasmas do passado à congelar "minh'alma". Porque talvez aqui e só aqui, caiba poesia e lirismo ao vaso aberto e repleto de merda que cheirava aquela noite.
A cerveja quente em copos de plásticos, os cigarros a me consumir, um a um. Tragando de mim, segundos de vida que eu  sinto confortável em desperdiçar.
Sentados à mesa a minha frente, um pequeno grupo mambembe de fervilhantes espectros da química apurada. Bebedores, consumidores e eventualmente possíveis caluniadores, já que eram tão impecavelmente irretocáveis em suas personagens boemias, que com o passar embriagado das horas, faltaria assunto e voltariam-se quase que involuntariamente a maldizer seus conhecidos, que um dia, quem sabe, já foram próximos de serem amigos, amantes, esposas, esposos, confidentes e hoje adversos, possíveis rivais. 
Desfrutava então da minha falsa liberdade, a banhar-me do líquido amarelado. Precioso. A ante-sala da minha habitual dose de "vodka". A velha e socialista cerveja. 
Voltando aquele pessoal que falava alto, ria vez e outra e lambia o próprio ego, como a uma virilha estranha, bem lavada. AVENTUREIROS DA ALMA, à fugir freneticamente do inevitável amadurecer. 
Uma bela mulata, de um sorriso enorme, peitos minúsculos e um quadril GG (gigante). Também havia um sujeito calvo que disfarçava a própria calvície, com um boné grudado a enorme cabeça branca.
Havia um jovem senhor distinto, barba rala, cabelo grisalho. Baixinho, magricela e com olhos extremamente atentos à conversa e aos parceiros noturnos. "Parceiros (,)",pois tudo que rolava era no maior respeito. Já que ele era um jovem senhor casado. E o seu marido era incuravelmente ciumento. E por fim, mas não menos importante. Outro jovem senhor, excepcionalmente articulado. Embora metade das coisas que falava, eram gracejos explícitos a moçoila de peitos invisíveis, ao jovem senhor casado e de vez em quando ainda tinha tempo de tentar galantear o estranho sujeito calvo. Sem muito sucesso com os últimos dois.
Terminei a cerveja, tomei de um gole só a dose de " * vodka" ( * prefiro não traduzir a perfeição).  Paguei "a bagaça". E passei pela mesa a frente, com os olhos cheios de lágrimas. 
Recordando postumamente, naquelas marionetes etílicas, toda uma vida compulsoriamente prescrita, antes de Virgínia.

Johnny Cash, tocando ao fundo.

   https://www.youtube.com/watch?v=J-ZffoXO_J4 


** título do texto, usurpado de: Eduardo Castro Amaral







quarta-feira, 19 de novembro de 2014

" O Sol Que Faz Sombra" (Sannio Carta)



   
   "Existem duas coisas que um homem não pode esconder: quando ele está bêbado e quando ele está apaixonado."    

   (Johnny Depp)



Parecia sentir o gládio a congelar-me o pescoço
Tal água salina a engasgar-me
Descia o líquido amargo e cevado
Frio e entorpecente
Molhando às vísceras e com ela toda a sua imundície
Fermentando em mim um longo serpentear nos intestinos
O álcool que não esteriliza  
Ao contrário, mancha
Todo ideal e bom senso
Toda coerência de fora pra dentro
E que traz ao peito alívio 
E me torna tolo e altivo
Orgulhoso e alucinado
E dos meus planos almejados
Soluço a frustração de gosto amargo
Já agora cansado, troco o passo
E passado
Como um mar ressacado
Vômito nas pedras 
Meu silêncio revoltado
E com os dias
Uns sobre os outros
Mais uma vez 
Afasto o copo de vidro
Sei que mesmo advertidamente 
Cairei se não hoje
Neste tempo presento
Em outra melancólica despedida
Da racionalidade excluída
Saibas que faço no vento
Desenhos com o dedo
E todos estes sobre o tempo
De quando eu era só outro idiota
Fazendo do dono do bar
Um  terrível agiota 
A quem eu devia a minha vida
Mas agora que me acenas
Mudo esta sina pequena
De só pensar em meu umbigo
Porque quando estou contigo
Me embriago dos sonhos
E nestes versos medonhos
Atesto  de vez 
que não quero ser
 só mais um amigo