segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

"Uma Manhã de Domingo" (Sannio)




- Valdisnei? - disse um.
- Mentira! Teu nome não é Valdisnei! Ninguém se chama Valdisnei! - disse outro.
- Eu me chamo! Mas se você olhar no "face", vai tá só "Nei"! - respondeu o alvo dos mexericos.
Dobrei a calçada enquanto deixava de ouvir o pequeno agrupamento de bêbados.
Era manhã, cedo da manhã e eu estava com um "desejo uterino" por um cigarro. Havia saído também, para caminhar um pouco. Para me lembrar que essa liberdade, ninguém conseguira tolher.
Andei por mais umas duas quadras da Cidade Baixa, quando avistei o "Cegonha".
- Olha só!... - disse o Cegonha.
- E aí Cegonha, beleza? - disse eu, em resposta.
E o comprimentei com um apertar de mãos e um tapinha nas costas.
- Acordou cedo! - disse eu, diante do inusitado encontro matinal.
- Nem dormi! Tô indo pra casa agora! - respondeu o amigo.
- Eita porra! - disse eu de imediato.
- Ganhei um "vale night" da "nega véia"! - disse o Cegonha enquanto buscava algum orgulho naquelas palavras.
- Tá casado Cegonha? Fazia tempo que eu não te via! - disse.
- Tô trabalhando pro pai, direto! - constatou o Cegonha.
- E quando vai me apresentar a preta? - E com isto, não quis ser sarcástico, nem tampouco racista, só queria saber mesmo, quando o Cegonha ia me apresentar a sua "partner".
- Essa não é preta... - comentou o Cegonha.
Ah! - soltei uma interjeição de surpresa, visto que o Cegonha era até então, um africanista fervoroso, mesmo tendo a pele alva como a de um legítimo carcamano.
- É mais branca do que eu! Falsa ruiva!- completou.
- Nem preciso perguntar como você descobriu a ilegitimidade! - disse eu.
E rimos sem acrescentar mais nenhuma palavra, para tentarmos manter um pouco o nível da conversa.
- Mas vai lá, vou ali comprar um cigarro avulso! - e apontei com a cabeça para uma lanchonete aberta.
Nos despedimos sem mais delongas e segui o meu caminho quase que aleatóriamente, até chegar em casa.




quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

"Céu" (Sannio)




O meu amor é a minha melhor amiga
E eu quero mesmo que seja assim
Ela quer a mim e mais um pouco
Eu sou amais
Eu sou ruim
Estrelas rasgam o céu
a procura de equilíbrio
Por isso eu sou assim
Também o teu pior inimigo
Fica comigo
Eu te preciso
E preciso de um ombro amigo
Pra chorar depois
Eu quero, eu vivo
Um palhaço triste e perdido
Um velho
Um jovem
Talvez, só bons amigos
Platônico é o meu castigo
Então, fica comigo
que eu te preciso
E preciso de um ombro amigo
Pra chorar depois
Pra chorar depois

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

"Um Sonho Qualquer" (Sannio)



Sentado, vi você se aproximar.
E você se sentou tão próxima.
Como costumava fazer antes.
Apesar, de tudo agora ter mudado.
Seu cumprimento rápido.
Meu ardil infeliz, na tentativa infantil de acariciar sua nuca por um instante.
- Oi, tudo bem?- disse ela.
- Tudo. Tudo bem, né? - respondi eu.
E me calei praguejando contra mim mesmo.
"Idiota!"
Eu tomava água.
Ela nada.
A mesma blusa laranja.
Eu, a mesma camiseta preta.
E não vi brilho em seus cachos. Todos ordenados (ou quase todos).
Presos em um coque.
"Gostava de ve-los soltos. A sós..."
Brinquei sobre a água ser cachaça.
Só pra ver um sorriso.
Ouvir uma risada curta.
Ser pedante.
E não ser notado por isto.
De todas as minhas tentativas frustradas.
A pior foi querer mostrar indiferença.
Mas habilmente, mostrei ao menos dignidade.
"Já era um começo!"
Seus olhos percorriam o meu rosto e a minha cabeça, como um parasita sanguinário, acostumado ao hospedeiro.
Conseguia enfim, atenção.
Uma atenção silenciosa e analítica.
E a beleza, sempre guardada para as despedidas.
Foi melancólica e afetuosa.
Quase familiar:
- Fica com Deus! - ela disse.
De que me adiantava ficar com Ele.
Se em minha cama, já não dormiam mais os anjos.