sexta-feira, 30 de abril de 2010

Café Sem Açúcar, por Renato HELL Albasini


Roteiro para um filme, curta metragem, decupado em cenas.

Take 1- Câmera em primeiro plano - Um homem acorda. Enrolado em edredons. Cabelo desalinhado. Sem camisa. De bermuda com elástico cedendo. Espreguiça-se estalando o queixo. Coloca a mão no rosto, arregala os olhos e busca um grito ao ouvir o barulho. Sacode a cabeça. Arregala mais ainda os olhos.
Take 2 A câmera olha ao redor - Panorâmica - Olha ao redor. Vê o quarto, calça no chão, camisas amontoadas em cima da cadeira diante da escrivaninha com um computador. A sua frente um quadro feito sobre a replica do cartaz do filme Scarface protagonizado por Al Pacino. Ao lado uma estante preta de alumínio abarrotada de livros, cds, mp3, dvds, copos de vários lugares, copinhos de cachaça, Tequila ou cafezinho. Ele pega o copo de cafezinho e sai cheirando-o. O seu olhar se volta para o outro lado do quarto e se depara com o roupeiro. Com uma das portas fora do lugar.
Take 3 - A câmera volta a focalizar apenas o homem na cama, um close no seu rosto.Observa com maior atenção fechando os olhos e percebe que está quase caindo, sendo segura apenas por uma das dobradiças. Esfrega, novamente, os olhos e faz um ruidoso bocejo.
Take 4 – A câmera abre o plano. Plano geral do quarto com o homem em primeiro plano. Gira o corpo sobre a cama e coloca os pés no chão.
Take 5- A câmera fecha no chão, nos pés do homem. E nos sapatos que ali se encontram. No chão pisa em cima de vários pares de sapatos e tênis que estão desordenadamente espalhados. Parece um campo minado e com a maestria de um especialista em bombas, passa entre todos os obstáculos até chegava à porta que se encontrava fechada.
Take 6- Close na mão na maçaneta. Sua mão direita gira a maçaneta com cuidado.
Take 7 - Plano médio, do peito do homem para cima. A porta se abre e uma brisa esbarra em seus cabelos levemente compridos.
Take 8- Plano geral de frente.
Take 9 – Plano geral das costas do homem. Na sua frente há um enorme espelho que o encara.
Take 10- Close na observação do homem (ponto de vista). Volta ao plano médio. Ele se observa, passa mão no queixo, faz uma pose encolhendo a barriga, contrai os músculos, força o bíceps. “Quem é o melhor?” “Quem é o maior cara que você já conheceu?” Bom dia! Bom dia, por que?! Ele pisca para o espelho e gira os braços num movimento circular apontando com os indicadores das duas mãos para a imagem refletida.
Take 11 Plano geral de frente. E sai.
Take 12- Close no espelho Porém, a imagem fica. E só mexe a cabeça observando ele caminhando. Sacode a cabeça negativamente fazendo uma cara de certo desprezo e desdém.
Take 13- Plano geral O homem chega à sala de estar que é ligada a cozinha e as demais peças do seu apartamento. Vai até a porta principal do apartamento a única entrada ou saída dali, fora, as janelas da cozinha/área de serviço, da sala e do quarto. Ele pega o jornal que fora jogado nesse minuto por baixo da porta.
Take 14- Close. Ele se ajoelha e consegue ver os pés do entregador. E faz um sinal obsceno com o dedo.
Take 15 – Plano Médio. Agradece sem abrir a porta e nem recebe resposta. Resposta pra si mesmo, abraçando-se, dando tapinhas nos braços. Folheia o jornal e vai até a janela que está fechada e quando levanta a cabeça vê o seu reflexo de braços cruzados o encarando.
Take 16- Close na janela.
Take 17- Plano Geral de frente do homem. Ele pára. Larga o jornal e torce a cabeça para o lado esquerdo alternado para o direito. “Mas que porra é essa!” Tenta olhar com mais atenção.
Take 18- Plano Geral de frente do homem. Alterna close no espelho. O reflexo se aproxima com o movimento dele. “ Tá olhando o que? Sério?!, Me diz?! Tu me vê todo o Santo dia e noite. Vejo essa cara sem dizer uma palavra e qual é a surpresa?”
Take 19-Plano Geral de frente do homem. O homem arregala os olhos e sai em direção ao banheiro,
Take 20- Closes. gira a torneira e afunda a cabeça na pia, molhando o rosto e a cabeça, murmura: “Estou sonhando, estou sonhando. Ouvindo vozes, o que bebi ontem? Quantos dedos eu tenho na mão, diz sem olhar pra mão e depois olha para a mão direita. Seis, não cinco, cinco! Deve ser café demais. Espera! Eu não tomei café! Deve ser isso. Abstinência por café. Um dia de cabelo ruim.Um assim”,
Take 21- Plano médio faz o gesto com as duas mãos com as palmas abertas. “As mulheres têm isso.” E ergue a cabeça molhada e se depara com o seu reflexo que está quieto. Ele mexe no rosto, toca no espelho. Faz caretas. E começa a rir. Fica dando saltinhos. Fica de perfil observando com o canto do olho qualquer anormalidade. Fica reto. Faz cara de mal. E intima a sua imagem com a clássica frase de Robert De Niro em Táxi Driver, “Você está falando comigo?! Você está falando comigo?! E dá as costas para o espelho.
Take 22- Close nos olhos do homem. Ao virar-se ouve: Ei, me explica uma coisa, Você tem noção de como idiota você é todo o dia.
Take 23- Plano Médio no espelho. Cara, como é que você consegue se olhar no espelho e achar que com esse teu jeito está bem? Quando você sai de casa, fico pensando por alguns segundos, porque tenho que seguir você e daqui a pouco estaremos lado a lado. Eu bem que queria umas férias de você mas pelo amor de Deus. Você não tem o mínimo de semancol. Meu amigo, você é uma piada sem graça sabia. E o pior que é repetida todo o dia.
Take 24- Plano Médio no homem de frente. O homem parado, vira a cabeça e vê sua imagem gesticulando. A sua voz trás um sotaque acentuado fronteiriço. Puxando algumas consoantes, carregando-as. Olhos arregalados. Balbucia, “Como, ah, como...”
Take 25- Plano Médio no espelho. E a imagem retruca “Como, como, digo eu. Rapaz, você já se olhou no espelho? Ultimamente vejo o que você está fazendo. Acordando tarde. Saindo toda a noite trazendo umas gracinhas de filhotinhos de Cruz Credo, como se teu melhor amigo fosse São Jorge e para que você não dirija bêbado lhe empresta o Dragão. Mas toda a noite que você sai?! E eu tenho que ver isso e achar legal. Puxa vida há de se convir que é dose para leão. Melhor para dragão.
Take 26- Close. O homem agora encara a sua imagem.
Take 27. Close no espelho. Outra, você vive reclamando que faz isso, que não faz aquilo e o que você faz para melhorar? Assalta a geladeira, pega um pornozão, joga um Atari com o filme e a vida continua. E o ninguém aqui fica ali na espreita, lendo um livro, aqueles que você amontoa no pardieiro que você chama de quarto e parece mais uma jaula.
Take 28- Plano Médio. O homem abaixa a cabeça e diz, “Peraí, isso não está acontecendo. Quem é você? O que você está fazendo? Isso é uma pegadinha onde está a câmera? Ele abre o box do chuveiro, olha para cima. Sai do banheiro.
Take 29- Imagem do alto do chuveiro.
Take 30- Close no espelho. A imagem vira o rosto e diz, onde que ele está indo?! Ei , maluco, estou falando!
Take 31- Plano geral; O homem põe as mãos nos ouvindo, tapando-os, e vai para a cozinha, Close no fogão. acende o fogão e coloca sobre o fogo uma chaleira. Ele fica cantarolando uma melodia infantil. E emenda frases, dizendo, “eu não estou louco não estou ouvindo isso”. Ele tira as mãos do ouvido. Close no fogão. A chaleira já apita
Take 32 - Plano médio no homem. e ele tira as mãos do ouvido e olha de um lado para outro sem mover o corpo, somente os olhos. Close. E ao colocar o café solúvel na xícara que pegara do armarinho de fórmica branca, com pequenas portas de vidro e encara a imagem refletida num dos vidros.
Take 33- Close no espelho. “Além de ser um Looser – faz com a mão direita um L e o passa na testa. Me deixa falando sozinho.”
Take 34 - Plano Geral. O homem dá um passo para trás derrubando a xícara, close. Batendo( slow motion) na chaleira derramando água sobre seu braço que o faz patinar e cair sentado.
Take 35- Ponto de vista. Olha o teto. Ele no chão desmaia. Sua última visão, o teto branco escamando.
Take 36- Plano Geral. Ao acordar, ele se depara na sua cama. Se ergue de sobressalto. Pula da cama pisoteando os sapatos e se enrolando com as roupas no chão. A porta fechada, causa um certo temor. Close. Seu coração pulsa a ponto de ouvi-lo em alto e bom som. Quase em câmera lenta, ele coloca a mão na maçaneta e a torce. Close. E ele arregala os olhos quando se depara com o espelho.
Take 37 – Plano Geral. Sua imagem está lá. Close. Ele fecha os olhos. Abre devagar. E nada diferente acontece. Plano Geral/ Plano Sequência. É ele mesmo. Ele chega bem perto do espelho, toca nele, passa mão em si e no espelho. Põe a língua para fora. Abre as pálpebras. Faz umas caretas. Se acalma da às costas para o espelho seguro, pisando firme, vai até o banheiro e se depara com o outro espelho. Hesita em olhar para ele, mas de repente o encara como quem quer provocar uma briga. Cerra os punhos, e passa o polegar direito no nariz como se fosse um Bruce Lee. Faz uma saudação fascista e entra no box do chuveiro. Toma um banho prolongado cantarolando. Volta e meia para e dá uma risada pensando no que sonhara, pelo visto. Sacode a cabeça ridicularizando a si mesmo. Ele diz embaixo do chuveiro, com a cara cheia de sabonete, “Quem é o maior?” Ele sai, fecha a torneira, se enrola numa toalha que estava pendurada atrás da porta do banheiro, vai até seu quarto, abre a porta do roupeiro que está despencando, pega uma camisa, uma calça, uma gravata, calça um par de sapatos pretos que estavam debaixo da cama, cheira as meias que estavam dentro dele, faz uma cara de satisfação e as coloca. Penteia o cabelo no espelho do corredor de circulação. Faz uma dança desengonçada de moonwalker, depois faz a famosa pose de Michael Jackson colocando a mão na virilha e solta um grito, Quem é o Malvado?! Who´s bad? Gira nos tornozelos e sai pela sala indo até a porta. Antes de sair olha para trás e sorri. Fecha a porta.
A câmera anda pelos ambientes, a cozinha, a sala, o banheiro, o quarto e volta para o corredor de circulação onde pára e se aproxima do espelho. Vê-se a imagem do homem saindo do quarto, olhando bem para a câmera e sorrindo. Logo depois encolhe os braços e acena.