sábado, 4 de junho de 2011

Prólogo à Notas sobre Contracultura (Uéslei Screeth)




Mal chegando do serviço já peguei o computador e boa quantidade de bebida, ambas as coisas com a intenção de executar uma última reforma num texto que nestes últimos três dias já foi tão revirado ao avesso que a versão atual lembra muito pouco a inicial. Não tenho lá tanta convicção de conseguir mais corrigir falhas que arruinar o valor que deixado estar teria.


Em pesquisas históricas gostava de trabalhar com crônicas e diários de viagem. Porém o objeto de estudos principal não era a factualidade dos relatos, debruçava-me sobre sua mentalidade intrínseca. Para isso partia do pressuposto de que um autor sempre expressa mais do que deseja, ou, melhor dizendo, não toma consciência da penetração do senso comum e de preconceitos pessoais no seu discurso. Considerando desta maneira o leitor-estudioso poderia decifrar pacientemente detalhes obscuros inerentes ao pensamento mais geral de certo tipo social em dada época, tanto mais satisfatoriamente quanto mais pudesse compreender a posição daquele escritor-objeto naquele seu momento criativo.


Incomoda-me produzir uma criação por meio da qual acredito poder posteriormente me tornar objeto e esta é a recorrente causa da ruína dos meus textos. De tanto tentar despistar minhas faltas acabo por descaracterizá-los. Isto não me passa batido nem quando o estou a fazer e é por este motivo que logo me enraiveço e elimino tudo. Não possuo guardado nem manuscrito, nem impressão, nem em mídia digital qualquer obra minha, nada sobreviveu a este processo de autonegação e autodefesa.


Por enquanto chega, daqui partirei para a dita reforma final. Ao concluí-la retomo rapidamente este ponto para uma consideração final.


Mudei coisa e outra sem realmente concertar nada. Percebi que subjetivamente pratiquei aqui um ideal da filosofia de Camus, qual se refere a confessar publicamente as faltas para transferir do réu aos potenciais juízes o peso da hipocrisia. Fatalmente, publicar na internet é a maneira mais segura de preservar estas criaturas deste inconstante criador, pelo que enviarei agora tanto este quanto o outro artigo ao editor antes que decida dar-lhes cabo.

Nenhum comentário: