quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O OVO (PICO)


"Falando de ovo/eu gosto é de cozido/Ele é que me deixa forte/pra encarar qualquer bandido/Pegue um ovo de codorna /sempre que lhe der vontade /Mas cuidado com esse ovo /ele é o ovo da verdade"
in RAP DO OVO, Faustão & Sérgio Mallandro

Por Pico.

O OVO

Primeiro você está lá, nos ovos de seu pai, aí você vai para o óvulo quentinho da sua mãe e acaba aqui um dia lendo isso... Desde o começo o ovo ou a idéia dele tem algum papel importante nisto que chamamos de vida. Seja esse um papel à nossa existência biológica, seja esse um papel meramente simbólico, as hipóteses não refutam uma à outra e apontam todas pra uma única realidade: o ovo está lá, sempre, e isso pode querer dizer alguma coisa...

Quantas vezes você já parou para pensar sobre o ovo? Seria meio insensato alguém reconhecer que o ovo é algo “dispensável” à existência do mundo como o conhecemos - insensato pra dizer o mínimo... Todos conseguem reconhecer a importância do ovo, no entanto poucos devem ter parado alguma vez para pensar a respeito...
Mario Quintana disse que o homem pensa para dentro, e disto orgulha-se porque na sua cabeça cabe o universo, como num ovo. O ovo (de novo) para tentar perceber porque às vezes não enxergamos o valor das coisas apesar das suas obviedades...

A idéia de deus não é exclusividade da igreja, isso é outra obviedade que espero que ninguém esqueça quando falarmos de deus aqui, porque não é disso que se trata: falo de deus como algo que compreende todo o universo, como o... Ovo. Essa é a maneira pela qual achamos mais honesto falar de deus, e não interessa saber se essa é a melhor ou a pior escolha: na cabeça do homem está o universo -aprisionado -tal como estava dentro da mão de Deus antes que seus dedos se abrissem na infinita distensibilidade da criação.

Tudo que é (ou pode ser chamado de) humano nessa infinita distensibilidade que chamamos de vida goza de alguma intimidade com o ovo, então já está mais do que na hora de tentarmos ouvir o que ele poderia querer nos dizer.
Se não me engano, até já se disse que a filosofia estaria redimida no dia em que respondesse quem veio antes: o ovo ou a galinha? A resposta que a própria pergunta já sugere não serve como evidência porque ela pode simplesmente ser uma tentativa de acomodação do que nossa experiência afirma sobre o ovo: ele antecede à galinha. Mas, assim como a galinha vem do ovo, o ovo vem da galinha, e aí toda uma problemática de questões que poderiam literalmente mudar a ordem das coisas se instaura: existe um cu responsável pelo ovo que será a raiz de todos os outros ovos vindouros: ou foi o cu da galinha... ou foi o cu de deus.

Se olharmos a questão pelo lado da galinha, na suposição de que ela foi a dona do cu que deu ao mundo o primeiro ovo, a hipótese pode exigir um galo, pode sugerir até mesmo outros bichos: a própria existência humana estará implícita em alguma parte da hipótese, em algum momento; depois do macaco, o nosso parentesco com a galinha começa a se mostrar ao mundo até mesmo como óbvio. A diferença básica é que, largada no mesmo mundo sem respostas que nós humanos, a galinha não se pergunta nada, e o fato de ser ela a responsável pela forma mais perfeita de onde a vida ou a comida foi cagada é tão importante quanto saber sua origem: não merece mais atenção do que o cuidado com seus ovos. E não se entenda esse zelo para com seus ovos como apenas “coisa de mãe”, a disponibilidade da galinha em ser responsável pelos ovos significa a própria sobrevivência dela como galinha: seria algo que podemos chamar de “essência da galinha”, o instinto no qual, para sobrevivência da galinha específica, os mecanismos da espécie buscam, se não a perpetuação, ao menos a resistência por mais tempo. O ovo vindo do cu da galinha, ao mesmo tempo em que é condição mesma pra que a galinha seja galinha, é também um presente que a galinha nos dá, e aí se quisermos ver a galinha como um presente de deus (para que tivéssemos ovos), os ovos seriam “apenas” um presente indireto de deus, pois pertenceriam antes à galinha, ainda que na infinita distensibilidade da criação chegassem até nós simplesmente como ovos.

Agora, se quisermos pensar que deus - na sua comentada onipresença - não aceitou participar apenas indiretamente na confecção dessa perfeição em forma que é o ovo, se quisermos pensar que ele mesmo emprestou seu cu pra isso, bom, aí tudo que se disse anteriormente corre o sério risco de não fazer nenhum sentido...

Se o ovo veio do cu de deus, toda a problemática que cerca a galinha, e que no fundo é a mesma que a nossa, humana, teria na verdade um papel secundário frente ao ovo: se o ovo antecede a galinha, toda ordem se inverte: a galinha passa a ser um mero processo do ovo, o ovo será quem na verdade se reproduz e faz uso da galinha. Poderia-se inclusive falar que o ovo seria quem choca a galinha, e logo toda uma série de conceitos (alguns que eu inclusive já usei aqui) perderia sentido; palavras como ovulação, ovário e outros derivados são palavras que tratam o ovo como um mero acessório do eu: um eu a serviço da vida: e a vida, segundo esta hipótese, não passaria de um acessório do ovo. Ou, dizendo de outra forma: o sentido teria de partir do sentido que teríamos da vida: ela serve ao ovo, e assim as coisas não partiriam mais necessariamente desse eu já gasto: partiriam do ovo. A vida dessa forma não só ganha sentido como também uma finalidade última em manter-se vida: o eterno retorno ao ovo.

A vida como finalidade ao ovo logo faz imaginar a vida como um meio ao ovo: a vida como uma estreita e fina casca, dividindo sim, mas habitando os dois lados: estar dentro e fora ao mesmo tempo, desconhecer qualquer limite entre um e outro justamente porque se é apenas esse limite. Viver o lado de dentro do fora, e vice-versa. Um ovo não quer mais que ser forte o suficiente pra proteger o que ele abriga e, ao mesmo tempo, ser maleável o bastante pra que isso que ele abriga, na sua luta pra abrigar a si próprio, tenha que o quebrar um dia. O ovo, assim como a vida, abriga a própria morte, com a única diferença que a morte cultivada do ovo é a vida, e a morte cultivada da vida é o ovo.

O que se pode pretender com uma teoria do ovo não é uma tentativa de afirmar ou negar alguma verdade, até porque dizer que não existem verdades e acreditar que isso já seja uma verdade demonstra ainda uma relação muita ingênua com as palavras: o ovo esconde o lado de dentro para o lado de fora, assim como a linguagem: um lado complementa o outro sem que, no entanto, nenhum dos dois se toque. O ovo não é o tipo de coisa que pode ser traduzida em palavras, mas que ao mesmo tempo seria um desperdício incrível não tentar traduzi-lo para as palavras: que a teoria do ovo seja simplesmente uma celebração, uma mediação, como o próprio ovo. Amém.

3 comentários:

Agentes da L.O.U.C.A disse...

O verdadeiro sentido da vida Pico consiste em encontrar uma donzela com o dom de chupar um ovo sem babar o outro.


Tommy W&B.

Agentes da L.O.U.C.A disse...

quer o Pico sugerir que deus é uma galinha?

morri.

Agentes da L.O.U.C.A disse...

Ah? ... o Pico deu um "ovo" numa galinha?